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É preciso desaprender

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Tem certas horas que não adianta buscarmos encher mais um copo que já está cheio, o líquido transborda e não podemos saboreá-lo. Creio que o mesmo pode acontecer com o conhecimento.

Sou um apaixonado pela educação, você sabe, desde muito cedo construo meus saberes como quem constrói uma ponte, na ambição de poder ir aonde desejar. Porém, venho percebendo que tem horas que é preciso desaprender, para que a gente possa realmente aprender coisas novas. Da mesma forma que é preciso esvaziar o copo para portar novos líquidos e sabores.

Por exemplo, desde minha primeira experiência no programa de equidade de gênero HeForShe, da ONU, me surpreendo com a quantidade de informações que utilizava como “corretas” e que precisaram ser apagadas de meu “software mental”. Desaprendidas, sem pudor. Se eu quisesse caminhar de verdade pelo conhecimento de equidade, precisaria desaprender muitas coisas para dar espaço a novas reais perspectivas.

Todas as vezes que resistirmos a esse desaprendimento, manteremos em nosso sistema operacional informações que podem prejudicar seu funcionamento e real percepção do mundo. Porém, desaprender não é nada fácil. Exige desafiar paradigmas e dogmas que estão conosco, às vezes, por muitos e muitos anos.

Em recente aula sobre Ambidestria Organizacional, pude ouvir do guru em gestão Ram Charan um pouco do tema desaprendizado. E passei a refletir o quanto eu ainda tenho que desaprender na vida. Sair da linha do conforto é fundamental para encontrarmos novos patamares e isso demanda muita energia e vontade.

Ir contra a inércia que tende a conduzir nossos pensamentos e conclusões.

Vamos então a alguns exemplos da vida real, aquela que valida ou não as teorias mais poéticas já publicadas:

– Precisamos deixar de nos esconder atrás de “verdades”. Outro dia, em um fórum profissional, durante uma discussão sobre diversidade, escutei um colega afirmar convicto: “Estou tranquilo nesse tema porque sempre fui um meritocrata”. Respirei fundo. Também já pensei e fui assim. E precisei desaprender a sê-lo para que possa um dia, de verdade, promover uma real meritocracia nas empresas. Até lá, aprendi mais a ser um “inclusificador”, uma pessoa que promove ações práticas de inclusão seja racial, geracional, cognitiva, de estilo de vida ou de gênero na sociedade. Há muito trabalho a ser feito e ele não pode ficar escondido por trás de discursos inclusivos pré-fabricados, que rapidamente tomam conta das reuniões, cujos participantes seguem sendo majoritariamente como eu: homens, brancos, de escolas particulares, que tiveram referências etc.

Para quem ainda pensa que isso é uma bobagem, para quem já está cansado desse “discurso”, vale pensar se já viu cair sobre si um olhar acusatório em uma loja num shopping, se não se sente seguro para ser o que realmente é em seu ambiente de trabalho, se já passou a noite em claro cuidando da febre de um filho e se atrasou para uma reunião na primeira hora da manhã seguinte. Se perdeu o significado da ironia em uma reunião, por estar dentro do Espectro Autista e precisar de mais códigos para decifrar as mensagens não-binárias, como bem me explicou Marcos Petry, que promove cursos e palestras explicando o Espectro Autista, compartilhando suas próprias experiências e vivências.

– Precisamos reduzir o uso de “ou” e substituir por “e”, justo um dos conceitos chave da Ambidestria. As empresas precisam ser produtivas e sustentáveis, precisam crescer e ser rentáveis, precisam atender a real demanda de agora e desenhar produtos para a potencial demanda do futuro. Não há mais escolhas a serem feitas entre o hoje e o amanhã. Como se diz na cultura popular: é preciso ficar de olho no gato e no peixe ao mesmo tempo!

Isso exige de nós gestores um intenso e constante exercício de confrontar as verdades do hoje com as tendências do amanhã. Duvidar dos paradigmas que nos trouxeram onde estamos. É necessário ter a coragem em tomar decisões que realmente direcionem as empresas numa visão mais ampla de sustentabilidade, turn around ou até mesmo reinvenção total do negócio. Para tal, o desaprendizado passa a ser fundamental.

– Precisamos desaprender a criar times repletos de “mini MEs”. Com pessoas idênticas, os times podem ser até mais fáceis de liderar, porém, acabam se tornando ambientes com poucos desafios e que ecoam conceitos e “verdades” compactuadas por todos, sem os incômodos saudáveis que possibilitam as mudanças. Um time de “mini MEs” dá a liderança uma sensação de completo controle sobre a situação, o que pode se revelar um grande equívoco, além de elevar perigosamente o ego desse líder, comprometendo sua capacidade de  decisão!

Na maioria das vezes, essa é a fórmula para o fracasso de uma ideia, de um projeto ou mesmo de uma organização. Desaprender a ter o controle, a ter todas as respostas prontas, a se sentir ameaçado pelos desafios com perspectivas totalmente diferentes daquelas que você acredita, são os novos desafios das lideranças de hoje.

Buscar agregar diferentes visões e perspectivas para as quais a realidade tem nos exigido respostas cada vez mais rápidas é fundamental.

Agora, se tem algo que não desaprendi é em continuar acreditando na capacidade de desenvolvimento das pessoas. Independente de contraexemplos ou situações que pareçam negar isso, eu acredito piamente na capacidade de transformação que a educação é capaz de promover na vida de todos. Desde o mais humilde até o mais inteligente dos mortais. A educação precisa estar disponível para todos rapidamente, a fim de que todos possam desejar uma carreira, um lugar de trabalho no qual as realizações próprias possam encher a pessoa de alegria e orgulho. Inundá-la do sabor da conquista, aí sim, pelo próprio mérito.

E você, o que já desaprendeu nessa vida ou que ainda acredita que precisa desaprender? Isso rende um bom papo. Se se animar, puxe essa conversa com um amigo. Aposto que vai lhe render ótimas reflexões com potencial de mudança para ambos.

Ricardo Neves é CEO da NTT DATA no Brasil, consultoria global de negócios e TI do Grupo NTT

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